Altruísmo vs Egoísmo

Altruísmo versus Egoísmo? Daniel Filipe?!!!

Fizeste bem em chamar-me. Sem mim, nunca conseguirias escrever este texto. No fim do primeiro parágrafo, já te terias desculpado duas ou três vezes. Começavas a desculpar-te por existir, depois desculpavas-te por te estares a desculpar e etc. vezes mil. Entravas numa espiral patética sem saída e, tenho a certeza, no final do texto concluirias que todo o altruísmo é, no fundo, uma forma de egoísmo.
Que lugar-comum insuportável.
Ainda bem que me chamas-te. Fizeste muito bem. Sozinho, irias esbarrar nessa redoma de cinismo que construíram à tua volta e que impede até de ser feliz, de sorrir sem medo dos outros. Se te quiseres desculpar por alguma coisa, desculpa-te por teres caído nessa armadilha tosca, armada diante de todos os que acreditam que o fim da adolescência é o início da falta de escrúpulos. São tão ridículos a seguirem todos os preceitos da máquina. A darem o nó da gravata porque sim, a levarem os miúdos ao infantário porque sim, a chegarem a horas à reunião porque sim, a saírem com um casal amigo porque sim, a comerem gajas (traindo as mulheres) porque sim, a irem de férias para a fotografia do folheto da agência de viagens porque sim. E, também porque sim, porque claro, porque obviamente, todo o altruísmo é, no fundo, e não versus, uma forma de egoísmo. Que lógica admirável. Com essa justificação filosófica, aproveitas para ser egoísta até para um pau de fósforo. No autocarro, se entrar uma velha, baixa os olhos sobre o telemóvel, porque pode querer que te levantes. Na estrada, se te cruzares com um carro a fazer pisca-pisca, acelera, pode querer meter-se à tua frente. Na fila do refeitório, se houver uma maçã maior e de boa cor, leva-a, porque pode ser apanhada pelo imbecil que está atrás de ti.
E quanto mais conheces as pessoas, mais gostas de animais, não é? Principalmente dos cães, que te fazem as vontades, que vêm de cabeça baixa receber o que te dignares a dar.
Porque a ti ninguém te passa a perna. Porque tu não és parvo. Porque ninguém faz pouco de ti.
A vida é dura. O mundo é duro. Repete para ti próprio que o mundo é duro. Assim, poderás convencer-te com maior facilidade de que tudo o que fazes para o endurecer é justificado. Tu vais chegar longe, não sabes bem onde, só sabes que é longe. Se tiveres de passar por cima de dois ou três, azar, é porque eram fracos e não aguentaram. É porque mereceram. A vida é mesmo assim. O mundo é mesmo assim. Até a natureza é assim. O tigre come o veado, o veado come a erva. E, além disso, o egoísmo é, no fundo uma forma de altruísmo.
És tão idiota, estúpido! O imbecil que está atrás de ti no refeitório és tu próprio. Se, no fundo, o altruísmo é egoísmo, repara que, no fundo, este tempo presente é um instante que os futuros não poderão garantir que foi verdadeiro; no fundo, tudo aquilo que pensas não existe sem ti, não existe para lá de ti, e tu próprio, no fundo, não és mais do que pó e, muito em breve, mais depressa do que julgas, voltarás a ser pó. Apenas pó, idiota de merda!

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